fillmore = canil pub (ou o rappa / antes-durante-depois)…

Assunto: VIVA YUKA!!!!!

“Fala, Mauricio!
Em se tratando das devidas homenagens ao grande Marcelo Yuka, envio uma humilde homenagem com algumas lembranças que guardo dele, embora esteja longe de ser considerado do rol de seus amigos oficiais, pois realmente sou café com leite.

Esbarrei com Yuka por volta de 1988 ou 1989. Eu tinha 16 ou 17 anos de idade e tocava em uma bandinha cover (um trio) que tomou vergonha na cara e passou de uma hora para a outra a tocar material próprio. E um dia o baterista da banda deu um rolê pelo seu bairro (Heliópolis) e soube por um intermédio de seus integrantes que o respeitadíssimo combo de reggae KMD5 iria em breve fazer um show na Praça da Piam em Belford Roxo, Baixada Fluminense, a poucos metros da casa do meu então amigo baterista. De imediato sugeri ao baterista que, em nome da boa vizinhança, pedisse ao músico que botasse a nossa banda para abrir o show.

E não deu outra! Nossa banda abriu o show. Nós não tocávamos reggae, tocávamos um pop rock com uma ou outra versão de sucessos pop, mas, mesmo assim, fomos bem recebidos no evento. Pelo que me lembro, acho que até entrou de gaiata uma terceira banda no line up do evento, uma banda de cover. Nossa apresentação era tosca, mas nós chegávamos ao cúmulo de começar com uma explosão de fogos de artifício no palco digna do Kiss. Isso acabava queimando as camisetas que o pessoal mais próximo ao palco estava usando, com os resquícios dos fogos, o que deixava alguns revoltados. Um pastelão, reconheço totalmente! Inclusive um dos caras da banda cover nos pediu para usar o mecanismo das explosões em seu show e o guitarrista da banda cover literalmente saiu queimado com a engenhoca. There’s no business like show business!

Ao sairmos do palco para beber umas após a “meteórica” apresentação, os integrantes da minha banda (que tinha um nome horroroso, por sinal) nos reunimos numa barraca onde vendia birita barata e logo apareceram duas groupies, uma delas o perfeito arquétipo da “gordinha tarada”. Eu estava de recém-namorico com uma mina da escola e era um moleque cheio de frescura, então não dei atenção à mina, que insinuava muito me querer. E foi aí que apareceu um cara botando uma pilha monstro, logo endossado pelos traíras da minha própria banda e agregados. Virei manchete popular! Todos exigindo que eu pegasse a gordinha. Pelo que a lembrança em modo batatada me permite trinta anos depois, esse cara zoador era o Yuka, que era baterista do KMD5 ou estava na trupe da banda.

Mais velho uns cinco anos que eu, Yuka estava há anos luz mais avançado em música e vivências em geral, embora pelo que me lembro era totalmente avesso à chapação, o que surpreendia a qualquer um de nós. “Caraca! O cara zoa daquele jeito do nada????????”. Bom, essas são as lembranças que me vieram agora. O KMD5 tocou e fez um show memorável, que só seria superado, em termos de prata da casa, pelo show que o Cidade Negra, ainda com Ras Bernardo, faria menos de cinco anos depois também ao ar livre, para uma plateia muito maior numa cidade vizinha. Naturalmente, o Cidade Negra raiz era uma banda muito mais interessante do que sua versão Paquita.

Agora eu não sei se estou dourando a pílula, mas logo depois, coisa de uns seis meses, minha banda descolou um cache para tocar material próprio em uma festa num bairro afastado de uma cidade vizinha à Belford Roxo. Chegando lá, minha banda abriu a noite com um show morno, mas logo a festa de mauricinhos e patricinhas se transformou numa balbúrdia generalizada, com a galera roqueira revoltada jogando birita nas caras de playboys e patrícias até à chegada da polícia. Minha memória pode falhar, mas, pelo que lembro, Yuka e outro amigo nosso, pilar filosofal e comportamental da Tripa, estavam entre o público. Ou não estavam? Tenho quase certeza que sim. Inclusive o baixista da minha banda, afrodescendente, foi detido pela polícia por apreender algo que não era de sua propriedade e eu tive de descarregar uma longa lábia até ele ser liberado. O negócio estava tão esquisito que sequer lembraram de pedir a carteira de motorista-mirim dele, que levou nosso “equipamento” no Chevette 1972 do pai dele.

Os anos passaram, minha bandinha acabou e vivenciamos, na esteira do grunge, um boomzinho mercadológico roqueiro, ao ponto de até o recém-emancipado município de Mesquita, também na Baixada Fluminense, ter seu próprio Fillmore: o Canil Pub, capitaneado por um baterista louríneo que hoje pinta seu cabelo de acaju, principalmente a barba. (Quase) todo mundo do rock carioca da época, e até gente da gringa, tocou lá: Gangrena, Planet, Piu-Piu, Sex Noise, Cordel Elétrico, os brasilienses do Oz, os argentinos do Cobalto etc. E todo mundo que chegava lá passava a bradar uma fala que, batatante ou não, desde aquela época, eu achava que era uma pilha com o zoeiro do Yuka. “Cadê Uru??????”. Aos meus olhos de jahmaikano nato vivendo em outra dimensão existencial, me parecia que as pessoas respeitavam Ele ao ponto de uma corruptela de seu apelido utilizada apenas localmente: “Uruka”, porém sem a carga pejorativa que o termo pode sugerir no vocabulário carioca.

Pouco depois e com muita coisa impublicável rolando, coisa de um ano, vejo no Rio Fanzine um anúncio de uma banda querendo vocalista e, como não estava com banda, resolvo ligar e marcar um teste. Eu ainda não sabia ou não havia memorizado o nome da banda, mas essa banda já era O Rappa. Nessa época eu já estava estudando na Gama Filho e o teste para O Rappa cairia no dia de uma prova de segunda chamada de uma disciplina sobre Economia Brasileira ministrada por uma professora que sempre me reprovava. Como eu também estava numa fase mandando muito mal na escola, eu resolvi não faltar a prova e pouco antes liguei pros caras, o cara do outro lado do telefone era o Yuka (sem que eu ligasse o nome Marcelo à pessoa), pedindo sem sucesso uma nova data para o teste. E foi muito melhor assim, pois o Falcão foi o vocalista que a banda tanto queria, embora… Dificilmente eu seria aprovado, tanto na banda quanto na escola.

Muita água rolou embaixo da ponte e anos depois, completamente higienizado comportamentalmente, eu volto a estudar em uma outra faculdade. Eu havia aloprado demais e tomei uma chamada homérica dos mais próximos. Volto a existir quase como outra pessoa, irreconhecível, com as lembranças indo e vindo como fatos ou devaneios, não reconhecendo muita gente. E esbarro novamente com o Yuka em outra instituição de ensino, onde ele trampava. Lembro de ter ficado muito cabreiro ao ponto de ele lembrar de coisas minhas tão específicas e eu lembrar muito vagamente de mim mesmo.

Era uma época em que rock tinha uma boa acolhida no local e eu lembro de ter esbarrado com ele em um festival na faculdade, onde eu listadeschindelirianamente recebi um carimbo de identificação para poder entrar e sair do local, pois fui o primeiro a chegar lá. Como não tinha grana, volta e meia ia para o apartamento onde morava ali ao lado e enchia uma garrafa pet com garrafões de vinho barato estocado em casa. Nessa noite aloprei como antigamente e por isso fui literalmente barrado no show acústico que O Rappa fez logo depois na faculdade, no final do segundo semestre de 1997 ou primeiro semestre de 1998. Eu havia voltado a ser persona non grata momentaneamente, uma merda, um cara que zoava as bandas das quais não gostava. Felizmente qualquer mal entendido se dissipou quando, num encontro de estudantes CDFs, esbarrei com nosso amigo e, para horror da estudantada, eu e seu (nosso) amigo éramos dos únicos não afeitos ao cerimonialismo reggae. “Como pode esse maluco…?”. Pois é, pois é.

Logo depois a banda dele começou a fazer mais e mais sucesso e eu só fui revê-lo após o que aconteceu com ele. Inclusive fui o primeiro jornalista a entrevista-lo depois do ocorrido, em uma época em uma época de muita esperança, para uma revista pequena de tiragem inexpressiva. Pouca gente leu o texto. Antes disso, já havia entrevista o ex-baixista do KMD5, que também estava esperançoso. A fala de Yuka deixou muito claro já naquela época que O Rappa continuaria mais relevante se ele não fosse tolhido criativamente. Como se fosse impossível, eu me surpreendi com a lucidez e a espontaneidade de Yuka de falar sobre qualquer assunto, sempre com tiradas inteligentes, me chamando atenção ao orador fora de série. Pouco depois fui com Matiax em um evento no Odeon e lá esbarramos com Yuka. Fazia tempo que não ouvia reggae e fiquei muito comovido em revê-lo, com Yuka me parecendo bastante sereno em relação ao mundo, relevando qualquer excesso.

Eu me mudei para São Paulo em 2007 e a última vez que o vi foi numa festa do roNcaroNca na Bunker. Inclusive deixei com ele CDs que estava ouvindo na época. Depois, em SP, entrevistei O Rappa lançando disco e tive o desprazer de ver o mal estar os caras literalmente renegando o ex-baterista, letrista, à exceção do baixista, aparentemente numa dimensão à parte. Inclusive levei uma chamada do meu chefe porque eu não devia ter mencionado o nome Yuka numa entrevista com O Rappa. Porra! Vou perguntar sobre a Cinira Arruda??????????

Depois, já na época das redes sociais, lembro de Yuka puxar papo sobre os sons que andava ouvindo. Ele devia estar matutando o que seria seu álbum solo e me surpreendeu ele aparecer no chat do Feisse me perguntando se eu conhecia as bandas que ele estava ouvindo. Sinceramente, não vejo muita gente com esse tipo de iniciativa de aprofundamento de predileções musicais e isso mostra a grandeza do pesquisador musical que o Yuka foi.

Not forgotten.

abraço,”
Epaminondas