geneton, o produtor de memória …

fire

no início de julho2013, a chapa esquentou brutalmente no brasa… em uma dessas ocasiões, acabei cruzando com geneton e presenciamos a entrada do inferno.

queimou ainda mais em mim a violência de muitos contra ele, funcionário da vênus. em certos momentos, a agressão física ficou por milímetros… enquanto isso, geneton passava tranquilão sem dar a menor pelota aos injuriados… na certeza que a sua (dele) presença ali no campo minado era muito mais contundente que qualquer coquetel molotov jogado nos cornos do poder.

na semana, geneton registrou os fatos em seu blog…

Relato de uma testemunha acidental de um tumulto nas ruas do Leblon: o Dr. GL entra em cena num fim da noite de quinta-feira

sex, 05/07/13
por Geneton Moraes Neto
categoria Entrevistas
DOSSIÊ GERAL (o blog das confissões) / G1

Fazia trinta e seis anos que eu não via, pessoalmente, o Dr. GL : o Gás Lacrimogêneo. Aconteceu hoje, no Rio de Janeiro.

Boa noite, Dr. GL. Prazer. Sou aquele estudante que conheceu o senhor no Recife, faz tempo. O senhor não se lembra, claro. Mas como eu iria esquecer ?

(a primeira vez, como eu ia dizendo antes de ser interrompido pelos cumprimentos de praxe, aconteceu no Recife, nos idos de 1977. Eu tinha meus vinte, vinte e um anos. Estudava Jornalismo na Universidade Católica. Uma manifestação que contaria com a presença de três senadores da oposição ao regime militar – Marcos Freire, Paulo Brossard e Teotônio Vilela – tinha sido proibida. O governo impediu os senadores de falar. A manifestação estava vetada . Não poderia ser feita nem na rua nem em recinto fechado. Ainda assim, os senadores compareceram à frustrada manifestação. Tiveram de ir embora – de táxi – sob aplausos e gritos de apoio de quem tinha ido ali para ouví-los. Eu me lembro de ter visto o triunvirato de senadores entrando no carro – na rua do Hospício, no centro do Recife. Ah, o nome daquela rua: Hospício! O boato corria solto: a cavalaria viria dispersar os manifestantes. Dito e feito. Assim que os senadores saíram, os cavalos chegaram. Tumulto. Correria. Gás lacrimogêneo. Prisões. Givaldo – por coincidência, o dono de uma livraria especializada em livros “subversivos” – foi arrastado pelos cabelos até o carro da polícia. Ali, o Dr. GL batizou minhas retinas juvenis).

Hoje, estava conversando sobre política, Macalé, Sérgio Sampaio e Copa de 50 (!!) numa calçada do Leblon com um amigo que encontrei por acaso – Mauricio Valladares – sim, aquele que faz o antenadíssimo programa Ronca Ronca nas ondas dos rádios e internets do planeta. Ali, éramos – também – testemunhas do protesto que se armava nas proximidades da casa do governador. De repente, o velho filme rodou de novo, sob outras circunstâncias e em outros tempos: tumulto. Correria. Gás. Lá vem o Dr.GL ! Crianças, correi!

A bem da verdade, não deu para ver como tudo começou. Mas uma chuva de bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo foi lançada sobre os manifestantes. A polícia avançou. Quem estava ali correu. Quando estava na avenida Delfim Moreira, olhei para trás: não fosse pela truculência, a cena era até bonita. A polícia tinha apagado as luzes da avenida. O rastro deixado pelas bombas produzia garranchos brancos no ar, perto da praia escura. Se fosse Reveillon, ia ter gente aplaudindo. Não era Reveillon. Teve gente correndo.

O som das explosões deve ter acordado quem paga o IPTU mais caro do Cone Sul da América. O tempo fecha: lá vem a Tropa de Choque. Um helicóptero flutua lá em cima, às escuras, estranhamente estacionado no céu. Parece não se mover. Não emite qualquer sinal luminoso. Só o barulho do motor. Pego o telefone. Aviso à redação da Globonews que o protesto acaba de se transformar numa bela confusão. “Por sorte”, meu combalido celular consegue captar, ao vivo, nos últimos minutos do Jornal das Dez, o som das explosões.

Em meio ao tumulto, recolho no chão uma bomba, já disparada. Marca: Condor. “Tecnologias não-letais”. “GL- 203/L.Carga múltipla lacrimogênea”.”Indústria brasileira”.”Atenção: oferece perigo se utilizado após o prazo de validade”. Tento decifrar a data de validade. Não consigo enxergá-la. Os números estão gastos. O desenho de uma bandeira brasileira completa o envólucro da bomba. A pequena bandeira é azul, como todas as outras inscrições. Parece uma daquelas ironias involuntárias: tudo azul com o Dr.GL. Guardo a “relíquia” comigo. Meu filho Daniel também recolhe no asfalto uma lembrança do Dr. GL, por pura curiosidade.

Impressão desta testemunha acidental : a reação da polícia parece ter sido desproporcional a qualquer eventual provocação que tenha acontecido. Nem eram tantos os manifestantes. Resultado : por alguns minutos, a avenida Delfim Moreira parecia o que, por esses dias, se chama de “praça de guerra”.

Dr. GL, o senhor não precisava ter saído da caverna esta noite. Estava tudo azul, até que o senhor resolveu entrar em cena. E aí a Delfim Moreira virou rua do Hospício.

Ah, Dr. GL….Quando é que o senhor vai tomar jeito ?

geneton1.jul2013