marcelo mandou pra gente…

PRK-30: soberbos e abobalhantes

Todas as sextas à noite, antes de existir televisão, a família se reunia em torno do rádio. Apagavam a luz e ouviam “PRK-30”, um programa de humor criado pela dupla Lauro Borges e Castro Barbosa, que parodiava atrações da época (noticiários, novelas, shows de calouros, transmissões esportivas) e caricaturava os clichês da radiofonia.

A PRK-30 se apresentava como estação clandestina e permaneceu por 20 anos no ar, de 1944 a 1964, exercendo influência sobre toda uma geração de comediantes.

Há pouco, a editora Casa da Palavra lançou um livro com dois CDs remasterizados -“No Ar: PRK-30”, de Paulo Perdigão-, que foi como conheci a verve retórica dos locutores Otelo Trigueiro e Megatério Nababo d’Alicerce (respectivamente, Lauro e Castro).

Um roteiro típico: o português Megatério introduz o prefixo musical do programa, completamente desafinado e “executado com a coragem habitual por uma descongestionante orquestra de violinos de vara e trombones de corda”.

Mas logo interrompe a desengonçada banda com um: “Chega! Não precisa caprichar tanto!”. E elogia a valsa que acabaram de tocar, “em compasso de ópera, ritmo de conga e marcação de bugre-bugre”.

Separados por uma gongada, os quadros duravam segundos ou não eram sequer transmitidos (depois de anunciados, mudava-se de assunto). O humor era desprovido de cinismo, não apelava para a grosseria, não ofendia e recaía num desvairado nonsense, com total desrespeito às normas linguísticas.

A PRK-30 era uma rádio 48% honesta, um colosso que seguia de popa em vento e uma emissora que raramente provocava náuseas em seus delicados ouvintes, veiculando as mais “avariadas” notícias de todas as partes do mundo e adjacências.

Desdenhavam-se as outras estações de rádio, “que encerraram suas atividades porque quando nós começamos a ‘funcionejar’ fazemos um completo ‘manepólio’ das ondas ‘artrosianas'”.

Em “soberbas e abobalhantes” transmissões, Lauro e Castro exploravam o avesso das coisas. Eram reis do trocadilho tolo e da adjetivação furiosa. Não faziam graça do que era dito, mas de como era dito.

Ainda hoje os humoristas da TV teriam muito a aprender com Otelo, dono de uma “voz suave e quase destituída de gosma”, e Megatério, o único locutor que já mordeu a língua mais de dez vezes sem ter tido hidrofobia. E que sabia “falar inglês em vários idiomas”.

Vanessa Barbara (Ilustrada / FSP)