skylabinho & mark e. smith (IMPERDÍVEL)…

rogerio skylab, nosso mestre, circula pelas redes com uma inoxidável e imperdível lembrança  de mark e. smith. segura as letrinhas da leNda…

– Em plena confusão do julgamento do Lula, passou meio em branco o falecimento do líder do The Fall, Mark E Smith. Aqui vai um texto, que traduzi alguns anos atrás, escrito pelo jornalista Ben Granger, do Spike Magazine:

 
Ben Granger analisa duas tentativas para explicar o mundo maravilhoso e assustador do The Fall
 –
 (SPIKE MAGAZINE – 2003)
The Fall: Mick Middles e Mark E Smith – London Omnibus Press / 2003
The Story of Mark E. Smith and The Fall: Simon Ford – London: Quartet Books / 2003
Esses dois livros são uma oportuna lembrança de uma banda cuja chocante individualidade tem sido obscurecida por força de sua longevidade. Uma lembrança dessa banda não é o termo “instituição”, mas a força de distensão dos limites que a música pop pode atingir. The Fall é uma banda que oscila entre o ruído branco
e o pop insanamente acolhedor, assentado por desafinações, vocais sedutores e ainda vanguardistas para o mundo, elementos de realismo atravessados pelo mais incoerente surrealismo, e imagens de ficção científica. Eles cantam sobre o desemprego, remédios, viagem no tempo, cinzas (do mal, dos laços adulterados e das ruas), drogas, papas assassinados, apartamentos afastados,úmidos e encardidos, possessão demoníaca, duendes sob o assoalho e futebol. Eles passaram por mais de setenta músicos durante o percurso, ridicularizando e sobrevivendo ao punk, ao indie dos anos 80,
 ao Madchester e ao Britpop. Eles previram o seqüestro de Terry Waite
e o atentado do IRA em Manchester no álbum liberado duas semanas antes dos eventos. Mark Eduard Smith é bem original. O livro de Middles, aparentemente bem considerado, é definitivamente seu livro, ainda que escrito com a cooperação de Smith. É digno de nota o fato de que, entre os jornalistas, Middles ser um verdadeiro amigo de Smith, que, em perpétua competição com os entrevistadores, vem tentando colocar frescurisses em sua cara de homem carregado.
Esse é o trabalho mais personalizado e mais subjetivo, carregado de memórias evocativas, por parte de Middles, da cena punk de Manchester e observações perspicazes do contraste entre a cidade atual e a passada, em vez de descrever minúcias dos antigos integrantes da banda (embora não seja listado todos os sessenta membros). As próprias contribuições de Smith (assim como as de sua mãe, carinhosamente) significa que, inquestionavelmente, a voz de Smith está no centro da história.
O livro de Simon Ford é diferente, da mesma forma que um desenho técnico difere de uma pintura impressionista. É uma narrativa muito mais linear, preenchido com muito mais fatos em geral. Sem Smith para entrevistar, é dando voz às velhas avaliações e frequentemente descontentes de antigos integrantes do The Fall. Mark Smith aparece aqui como uma sinistra e enigmática presença de fundo o autor tem um grande respeito pelo seu talento, mas é claramente desdenhoso de seus excessos.  
A mesma história, porém, é contada em ambos. Smith, filho de um torneiro mecânico de Prestwich, em Manchester (não de Salford como Smith reivindica para si mesmo), mostrou sinais precoces que marcariam sua liderança no The Fall: feroz individualismo; mente cruel e obstinada; briguento; uma poderosa curiosidade intelectual; fascínio por filosofia e literatura; forte interesse no psíquico e no oculto; e observação irônica misturada de orgulho e desprezo pelas pessoas ao redor.
Um aluno brilhante na escola primária (abandonou a faculdade por falta de interesse e grana), ele viu a emergência do punk se articular com desiludidos como ele, inspirando jovens da classe trabalhadora a formar o The Fall. Seu hábito de despedir membros da banda que não se adequassem, começou antes mesmo do seu primeiro disco de 1979, Live At The Witch Trials.
Ganhando uma legião de fãs de moderado tamanho, mas fervorosa ao longo dos últimos vinte anos, The Fall transcendeu a fusão Velvets-Can-Rockabilly-Punk do seu início para um som levemente mais comunicativo, com a incongruente adição do baixo glamuroso e californiano rickenbacker de sua esposa Brix nos anos 80. Nos anos 90 e além, eles passaram a aceitar os elementos do techno.
Há alguns depoimentos bem humorados em ambos os livros. Eles giram em torno principalmente da personalidade mordaz e pesada de Mark Smith, começando com as fezes de gato espalhadas por todo o apartamento, pensando que fosse razoável para a sua bem nascida esposa, recém-casada, Brix. Mark enfrenta as incontáveis multidões indiferentes e hostis, a má acústica dos teatros e a baixa audiência em
sua fase bizarra de músicas como “Hey Luciani” e “I am Kurious Oranj”; briga com Marc Riley num nightclub em New Zeland; intimida Morrisey nos escritórios da Rough Trade; produz longos silêncios às perguntas de Michael Bracewell numa entrevista pública; e manda a NME e Jô Wiley se fuderem quando eles lhe dão o prêmio Godlike Genius. O aumento das grosserias, cometidas à sua banda, que acabou levando-o preso em Nova York por agressão no palco, pode ter-lhe feito a perda da simpatia de muitas pessoas. Mas apesar do seu comportamento às vezes chocante (mais parecido com o mijo-arte da WMC Winter Music Conference do que excesso de estrelismo do rock), avaliações de ex-integrantes da banda são unânimes na admiração pela poesia de Mark, na sua habilidade em encher de macabro o mundano. Com Mark, você tem o melhor dos mundos. É divertido ouvir as palhaçadas de um cara urbano suportando a dor com trejeitos selvagens e bagunceiros, mas sentindo também a influência de Blake, Dostoievsky, Lovercraft , Camus e Liam Gallagher. Tanto na gravação quanto no palco, mesmo quando ele está mais perverso, há uma estranha sabedoria nas declarações de Mark que te deixa tonto.

Onde ambos os livros, em última análise, falham, é em capturar a essência de Mark ou o real encanto do The Fall. As caracterizações de Ford à respeito de Mark em relação a sua desilusão com o socialismo e suas visões de direita sobre as Malvinas, CND, Europa e o terceiro mundo, como sendo de classe trabalhadora conservadora, é uma grosseira simplificação. Esse tipo de avaliação é de um estranho conservadorismo que detesta tudo da classe média e suporta de todo coração os desordeiros de Moss Side.

Mesmo as freqüentes entrevistas de Middles não dão uma imagem muito clara do personagem e, portanto, ninguém poderia concordar com seu fascínio enigmático. Em relação ao conjunto dos discos, Ford especificamente cita Hex Eduction Hour como superior à Grotesque”,  Infotainment Scanacima de Middle-Class Revolte Unutterableà frente de The Marshall Suíte – com raiva eu digo que não, não, não.
Ler ambos os livros é agradável e acrescenta conhecimento sobre a banda, mas, apenas dando ouvido a eles, proporcionam uma menor compreensão. Conhecimento e compreensão são naturalmente coisas muito diferentes.
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NOTAS:
Ruído branco – combinação simultânea de sons de todas as freqüências (1000 pessoas falando ao mesmo tempo)
Terry Waite  – arcebispo de Canterbury, anglicano, promovedor da ações humanitárias
Marc Riley integrou o The Fall entre 1978 e 1982, tocando guitarra e baixo. No primeiro disco da banda LIVE AT WITCH TRIALS
Michael Bracewell – romancista britânico 
Moss Side cidade do interior da área de Manchester, lar de muitos imigrantes e minorias étnicas


(Postado em 17dezembro2010)