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Grito do Mali

Fundamentalistas islâmicos perseguem músicos e provocam êxodo no país

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Jotabê Medeiros

Exilados em sua própria terra, os artistas do Mali, um dos berços da música africana (e, por extensão, universal), estão sob fogo cerrado, sitiados pelo extremismo religioso-militar, mas ainda assim esperançosos no estabelecimento de uma paz. Enquanto isso não ocorre, os principais astros do Mali mudaram de lugar seu evento de música mais importante, o Festival au Désert, realizado há 12 anos em Essakane (a duas horas de Timbuktu).

Terakaft é uma das atrações de festival - Divulgação
Divulgação
Terakaft é uma das atrações de festival

 

O festival celebra a cultura tuaregue – tuaregues são os povos nômades do sul do Saara que mantêm uma secular tradição de se juntarem em encontros anuais chamados Takoubelt, nas regiões de Kidal, Temakannit e Timbuktu.

Este ano, no entanto, a coisa ficou feia. As perseguições das facções muçulmanas que criaram guerrilhas no país tornaram insuportável a vida para os músicos do Mali. Os guerrilheiros passaram a proibir a execução de música que não fosse a sua, e a atacar músicos de rua (há casos de músicos mutilados e queima de instrumentos em praça pública).

“Militantes islâmicos estão banindo a música no Norte do Mali, uma desagradável disposição para um país onde a música é tão preciosa quanto a água mineral”, escreveu Andy Morgan no jornal inglês The Guardian. Ninguém é poupado. Recentemente, sete homens armados de fuzis AK47 e com roupas militares foram até a casa dos integrantes da banda tuaregue Tinariwen, ganhadora de um prêmio Grammy. Os músicos não estavam, e eles deixaram recado.

“Diga a eles que, se eles botarem o rosto na cidade de novo, vamos cortar todos os dedos que eles usam para tocar sua guitarra.” O bando guerrilheiro então confiscou as guitarras, os violões, os amplificadores, a bateria e os microfones, fez um pilha no lado de fora da casa e tocou fogo em tudo.

Por conta disso, muitos dos principais músicos estão saindo do seu país. Eles se reúnem, entre os dias 7 e 9 de fevereiro, em Kobeni, na Mauritânia, na fronteira com o Mali. O PIB da música malinesa estará lá, incluindo o grupo tuaregue Tinariwen, agora proscrito em sua terra.

Em resposta à situação no Mali, a diva malinesa Fatoumata Diawara (que vive em Paris e esteve no ano passado no Rio, no festival Back2Black) convocou 40 outros artistas malineses famosos e gravou um vídeo e uma música para denunciar a situação. A cançãoMali-Ko (a Paz) é um grito de alerta. “O Mali não pertence a esses caras. O Mali não será presa de ninguém”, diz a letra. “No momento em que os malineses pensavam na sua estabilidade, outros procuram nos perturbar. No Norte, a população tem fome, nossas mulheres se tornaram mercadorias, elas são espancadas e estupradas.”

A música tem participações de estrelas internacionais do Mali, como Amadou e Mariam, Oumou Sangaré, Bassekou Kouyate, Vieux Farka Toure, Djelimadi Tounkara, Toumani Diabate, Khaira Arby, Kasse Mady Diabate, Baba Salah, Afel Bocoum e Habib Koite.

Le Festival au Désert também celebra um evento simbólico, a chamada La Flamme de la Paix (A Chama da Paz), nome que batizou a cerimônia na qual 3 mil armas de fogo foram queimadas e transformadas em um monumento em Timbuktu em 1996.

“É uma das poucas coisas honestas das quais eu tomo parte em um longo, longo tempo. É maravilhoso tocar nas areias do deserto. Não há portas, não há portões e não há dinheiro. Me lembrou a primeira vez que cantei. Não havia comercialização”, disse Robert Plant sobre o Festival au Désert, do qual participou da edição de março de 2003.

Terakaft leva transe elétrico a festival

Um dos grupos que estará no Festival au Désert será a banda tuaregue malinesaTerakaft, que acaba de lançar um novo disco, Kel Tamasheq (pelo selo World Village), produzido pelo britânico Justin Adams. É uma pérola rara da música africana, disponível no iTunes.

O nome Terakaft significa “caravana”. Em 12 faixas, o ouvinte faz uma incursão por um tipo de transe musical sofisticado e primitivo ao mesmo tempo, que suscita comparações diversas com a música oriental.

A faixa-título, por exemplo, lembra um blues norte-americano mais tradicional, mas com o estranhamento de uma guitarra soando como uma cítara. Lembra muito as experiências com slide guitar de Ry Cooder. Awa Adounia é um tema mais orientalizado, e a guitarra é tocada como o chamado “piano de dedo” africano do grupo Konono nº 1.

Aima Ymaima busca uma voz mais proeminente, coerente com a tradição já globalizada por nomes como Youssou N’Dour. A música dos grupos tuaregues já alista fãs febris em todo o mundo, alguns famosos, como Nels Cline (Wilco) e Tunde Adebimpe e Kyp Malone (do grupo TV On The Radio). Mas o que o Terakaft faz aqui é amplificar com solos elétricos um eco tribal. A percussão é francesa, mas a linha de frente é totalmente tuaregue, o que cria uma simbiose ao mesmo tempo familiar e misteriosa, alienígena.