william, gonzagão e buzzcocks…

Subject: K7s , vinis, gambiarras e grandes descobertas

“Olá Mauricio já estou há algum tempo pra mandar esse email, mas depois do espetacular programa 400, resolvi finalmente fazê-lo.

Era uma noite do distante ano de1997, uma época pré internet, eu com meus 16 anos de inquietações passeava pelas estações do rádio  procurando algo pra ouvir, de repente sintonizei uma estação e  estranhei o que tocava, Luiz Gonzaga na frequência 102.1, a antiga imprensa FM, achei inusitado estar tocando um baião naquela rádio que na época dedicava grande parte da sua programação ao funk carioca, quando a canção terminou   e iniciou-se a próxima é que o estranhamento tomou proporções muito maiores, a memória já me trai um pouco mas a canção seguinte era algo inimaginável de ouvir numa rádio carioca naqueles tempos , acho que era uma canção dos Buzzcocks ou alguma outra banda punk inglesa. Pensei “que porra é essa?” Luiz Gonzaga seguido de Buzzcocks ? Na imprensa FM?
Naquele momento um novo universo musical surgiu. Foi a minha primeira audição do ronca ronca.

Praqueles que hoje em  têm seus vinte e poucos anos e já cresceram na era da internet talvez não tenham ideia do que era  a relação com a música antes disso.

Pra quem não tinha grana, gostava de música e queria descobrir coisas novas antes dos anos 2000, o negócio não era muito fácil, as rádios tocavam em looping a mesmice de sempre. Os cds importados eram caros e de difícil acesso. Aí o  lance era se virar do jeito que dava. Fazer uma gambiarra na antena da tv pra pegar o canal 24 uhf e assim conseguir assistir os programas clássicos e  lado b da mtv apresentados pelo Fábio Massari. Ter sempre uma fita vhs na boca do videocassete esperando que um dia o clipe de love will tear us appart do Joy division passasse de novo  pra poder  gravar , aí depois em mais uma gambiarra ligar o aparelho de som no vídeo cassete pra copiar a canção pra uma fita k7 (com uma qualidade sofrível) e ouvir no walkman até não poder mais aquelas coletâneas de canções pedalando pro trabalho.

Eram tempos de  vaquinha pra juntar um trocado e  pegar um ônibus da ilha do governador pro Méier pra alugar cds e fazer cópias entre os amigos. Passar fins de tardes garimpando nos sebos do centro e encontrar  LPs do Blondie , The Doors, Dead Kennedys por 2 reais e quase chorar de emoção.

Ali entre os meados e fim dos 90 a onda eram o cds, bem mais caros , dava pra comprar um ou dois por mês, já o LPs estavam ultrapassados e aí era o que rolava como  possibilidade pra descobrir a música nova dos velhos tempos. Assim nessas andanças e garimpos encontrei por 50 centavos numa extinta loja de discos do Centro o primeiro Lp do P.I.L , vinis da k.d lang e do Chris Isaak, fitas k7 do Cocteau Twins, Jesus and  Mary Chains e Billy Bragg (que ouvi pela primeira vez num programa do ronca ronca tocando a New England e que ouço nesse momento escrevendo esse email).

Um cachorro quente com um copo de refrigerante por um real pra matar a fome  entre os pombos  do Largo da Carioca  e partia  pra gramophone da sete de setembro pra namorar todos os cds da loja e no fim ter a dificílima tarefa de escolher apenas um pra levar, que era o  que dava pra comprar.

Ir na livraria saraiva na rua do ouvidor pegar uma dúzia de cds importados que nunca iria comprar e  levar no balcão pro funcionário abrir  e pôr no discman pra  ouvir 20 segundos de cada faixa e assim descobrir o som dos Stooges, Velvet underground, MC5, Patti Smith e confirmar que eram  incríveis mesmo, do jeito que eu imaginava ao ler sobre eles nas páginas do livro mate-me por favor .

Naquela época muitas  vezes as músicas chegavam primeiro pelas leituras, pelos recortes de jornais velhos,  pelas páginas do rio fanzine e da revista rock press comprada nas bancas de jornais. Era fã de algumas bandas antes mesmo de ouvi-las só pelas matérias que lia, pelas fotos, influências…

Foi nesse cenário dos anos 90 que a paixão pela música surgiu, e permanece tão intensa como naqueles tempos dos vinis da Pedro Lessa , dos garimpos nos sebos e das fitinhas k7s copiadas.

Foram também naquelas noites de quarta ouvindo o  ronca ronca que experimentei muitas descobertas musicais inesquecíveis , como a primeira vez que escutei fascinado uma canção do Elomar ,  a primeira audição de uma canção do Van Morrison, a voz única de Barry McGuire cantando eve of destruccion , a guitarra crua de Billy Bragg tocando the Milkman of human kindness e tantos outros artistas que me acompanham até hoje.

As noites de quarta eram sagradas, às 22 hs parava tudo pra ouvir o ronca ronca na imprensa fm.  Já separava uma fitinha k7  pra gravar e poder ouvir de novo. Eram tempos de idas até o orelhão da esquina pra  pedir pro Felipe Ferrare comentar sobre algum assunto pertinente . Tempos de carta pelo correio pra fazer elogios  e pedidos. Tempos de  dormir ao som de Neil Young.

Muito obrigado Mauricio por essas décadas  de dedicação e amor  pela música  e pelas inúmeras alegrias e descobertas musicais proporcionadas pelo ronca ronca, um programa feito por alguém que trata a música com a paixão e importância que ela merece ser tratada.

O ronca ronca tem um grande significado  pra mim e com certeza para muitos outros ouvintes.

Grande abraço e que venham muitos e muitos anos de ronca ronca pela frente.”

William