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ê batumaré (ou segue o osso)…

(rio  /  agosto1992)

quatro músicas de “ê batumaré”, primeiro disco solo dele, lançado em 1992

Mobral
Do que adiantam?
Placas. Bulas, instruções…
Do que adiantam?
Letras impressas das canções…
Do que adiantam?
Gestos educados, convenções…
Do que adiantam?
Emendas, constituições
Se o teto da escola caiu
Se a parede da escola sumiu
Sem dente o professor sorriu
Calado recebeu dez mil
E depois assistiu na Tevê
Em cadeia para todo Brasil
O projeto, a tal salvação
Prestou atenção e no entanto não viu
A merenda, que é só o que atrai
A cadeia para qual o rico vai
Despachantes, guichês, hospitais
E os letreiros de frente pra trás
Aos olhos de quem
Só aprendeu o bê-á-bá
Pra tirar carteira de trabalho
E não entendeu Zé Ramalho cantar
Vida de gado
Povo marcado
Povo feliz
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A Dureza Concreta

Teu sangue ralo explica

Tua fome de comer

Fome de engolir com os olhos
Tudo que se pode ver
Fome de camisa limpa
De ter fome, fome ter
Já que a garganta seca
E o difícil engolir
Te impõe essa dieta
Quase que como um dever
É outra vez a marreta
Que levanta e vem ao chão
É a dureza concreta
Da vida da construção
É tua tristeza certa
É tua cama de pau
É tua existência tonta
Precisando de oração
Se o que te corre nas veias
Já não te sustenta mais
Te resta o chão, o limite
De onde nunca passarás
Senão pra vala comum
Sem sete palmos contar
Pra tua pouca magreza
Dois ou três hão de bastar

+

A Nova Cruz
 A nova cruz brasileira
A cruz em forma de X
Diferente das cruz das Igrejas
Da cruz que ocupou Paris
Mas tal como as outras cruzes
Aponta, julga e condena
Amarra os pés e as mãos
Dos que já nascem com ela
Cruz escrita ma testa
(Doente, febril, amarela)
Cruz desenhada nos vãos
(Entre os dentes da boca banguela)
Cruz sobre os viadutos
(Início da nova favela)
Cruz em cada cruzamento
(Vendendo limão e miséria)
Cruz imensa em suor
(Que pinga e não fura pedras)
Cruz marcada a fogo
(Nos malhos, caldeiras, panelas)
Nas mãos
Na testa
Nas pedras
A cruz selando o destino
Do morto, que vivo se enterra
O futuro como um precipício
A cruz lá embaixo, à espera
+
O rio Severino
 Um tísico à míngua espera a tarde inteira
Pela assistência que não vem
Mas vem de tudo n’água suja, escura e espessa deste
Rio Severino, morte e vida vêm
Mas quem não tem abc não pode entender HIV
Nem cobrir, evitar ou ferver
O rio é um rosário cujas contas são cidades
À espera de um Deus que dê
Quem possa lhes dizer
Me diz o é que você tem
A quem se pode recorrer
Me diz o que é que você tem
É muita gente ingrata reclamando de barriga d’água cheia
São maus cidadãos
É essa gente analfabeta interessada em denegrir
A boa imagem da nossa nação
És tu Brasil, ó pátria amada, idolatrada por quem tem
Acesso fácil a todos os teus bens
Enquanto o resto se agarra no rosário, e sofre e reza
À espera de um Deus que não vem
O que é que você tem
Me diz o que é que você tem
O que é que eu posso te dizer?
Me diz o que é que você tem
.

mamãe, que perfeição é essa? (ou vale MUITO ouvir de novo)…

Perfeição
Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção
Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha, que o que vem é perfeição

a candangada 6.0…

HAHAHAHAHA… as fofas, milena e alana! quem não lembra delaszinhas reinando por aqui lá pelos idos de 2006-2009?

mamãe, como poderia eu dizer que brasília é uma inutilidade? no way… além delas, vários outros candangos natos residem em meu coraçãozinho forévis… YEAH!

dando uma olhada rápida em alguns registros da xeretinha em solo pátrio de serico, montei esse cineminha em louvor aos 60 anos da capital federal (AFE!)…

cheers (aos candangos)

( :

ah, vale (carinhosamente) o espírito de quem fez/faz a cidade…

 

a mocidade detonará a mulata assanhada (ou tudo a ver com 2020)…

“Nesta segunda-feira, quando a Mocidade Independente desfilar na Sapucaí com o enredo em louvor a Elza Soares, eu vou torcer para que os deuses africanos acertem, sem um segundo de delay, todos os instrumentos da bateria em sua paradinha genial. Eu vou rezar para que mãe Menininha, homenageada em 1976, ilumine as rendas, os paetês, e em seguida assopre os bons ventos para as baianas rodarem na mesma rotação feliz do planeta.

Eu vou pedir acima de tudo para a caretice dos tempos não tomar conta da escola ao lembrar a saga desta diva empoderada, um monumento da afirmação e resistência da mulher negra. Eu vou torcer para os otários da correção histórica não cancelarem a existência da mulata assanhada Elza Soares.

Foi há exatamente 60 anos, em seu primeiro LP, logo depois do estouro nacional em 1959 com “Se acaso você chegasse”. Elza Soares balançou o Brasil com a gravação de “Mulata assanhada”, de Ataulfo Alves, o primeiro negro a entrar na lista dos dez mais elegantes do Ibrahim Sued. Foi como se o país reaprendesse a cantar.

Antes dela houve a serelepe Carmen Miranda, a dramática Linda Batista, a incomparável Marlene, a enluarada Elizete e tantas outras rainhas do rádio. Cada uma na sua. Nara sussurrava, Dalva soltava os bofes. Não sou tolo o suficiente, nem o lança-perfume carnavalesco me serviria de desculpa, para hierarquizar os méritos dessas deusas. A todas, acendo genuflexo uma vela branca nesta segunda-feira das almas.

Elza Soares inventou uma voz que balançava em harmonia com as cadeiras. Improvisava. Ela se aproveitava da recém fundada bossa nova, dos elementos jazzísticos que ouviu nas boates, sem esquecer dos tambores desde sempre na sua existência. Botou tudo no liquidificador e soltou a voz com liberdade, nos tons mais altos da escala. Tenho certeza que Alcione não é a única a lhe agradecer.

Eu vou torcer para que, em sua nuvem de purpurina verde e branca, o mestre André, da bateria dez, nota dez, erga a batuta e dê o tom para o desfile não esquecer esse início de Elza, não riscar da história a gravação de “Mulata assanhada”. Foi o seu momento mais espetacular nos anos 1960. Ao lado de Jorge Ben, Ed Lincoln e outros, ela botava a bossa nova para dançar ao ritmo do “sambalanço”, uma joia da MPB.

Será uma pena se o politicamente correto atravessar o samba da Mocidade e, como se houvesse algum motivo de desonra, apagar de uma ativista negra moderna o momento, outro contexto, em que ela se apresentou como mulata, essa palavra só agora amaldiçoada. Naquela década, gravou ainda “As polegadas da mulata” e “Mulata de verdade”. O mundo mudou e Elza foi junto, com outra consciência de afirmação racial.

Eu estou dizendo isso porque li o “Abre-alas”, o livro em que a Mocidade detalha para a imprensa o roteiro do desfile. Não há menção, em alas, fantasias ou carros alegóricos, a esse capítulo. Cancelaram a mulata. Eu torço para que lá do barracão celestial o espírito transgressor da escola, onde Fernando Pinto inventou o carnaval pop, invada a avenida e no último momento, a comissão de frente já diante do júri, ponha em cena algo que lembre esta etapa da vida de Elza, uma mulher fabulosa justamente pela trajetória de superação e adequação aos tempos.

Eu torço para que deixem a mulata sambar em paz.”

Joaquim Ferreira dos Santos

DAQUI

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o roNca vem com essa pauta no ar há muito tempo. lembra, né? mostramos elza e elizeth cardoso interpretando esse clássico do negão ataulfo alves e comentamos de como seria impraticável ele ser cantado hoje em dia. pois é, conseguiram matar a mulata…

Ai, mulata assanhada
Que passa com graça
Fazendo pirraça
Fingindo inocente
Tirando o sossego da gente
Ai, mulata se eu pudesse
E se meu dinheiro desse
Eu te dava sem pensar
Essa terra, este céu, este mar
E ela finge que não sabe
Que tem feitiço no olhar
Ai, mulata assanhada
Ai, meu Deus, que bom seria
Se voltasse a escravidão
Eu pegava a escurinha
Prendia no meu coração
E depois a pretoria
É quem resolvia a questão
Ai, mulata assanhada