diz pra gente “caipirinha”…

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como temos, diariamente, zilhões de novos passageiros a bordo, é bom informar que marcelo “caipirinha” tem mais hora de roNca que urubu de voo… idesde os primórdios na flu fm. ao longo desse tempo, se transformou em queridíssimo amigo e responsável pelo envio de alguns dos discos mais inoxidáveis do programa. há anos é residente em leeds e membro da universidade onde o the who gravou o célebre artefato sônico.

recentemente, solicitei ao moNumeNto algumas letrinhas sobre a situation no UK e…

“Salve Simpatia!

Desculpe aí a demora em responder. Quando você me mandou o email, a situação ainda tava muito confusa, e eu preferi esperar a coisa clarear um pouco.

O que eu achei na hora em que ouvi a notícia, e que ainda acho, é que o assassinato dessa parlamentar não foi diretamente ligado a um “facismo em marcha”, mas foi um ato isolado de um sujeito com uma mente, digamos, pouco clara. Claro, sempre aparecem oportunistas de um lado e do outro pra dizerem que “isso revela o que eu sempre disse, e que por isso tal e tal coisa devem acontecer”, mas a interpretação é uma coisa, e a outra coisa é outra coisa.

E sobre o resultado do referendo, acho que o comentário é mais ou menos o mesmo. Teve e vai ter oportunistas de um lado dizendo que a indicação é que a ilha tem que fechar as fronteiras, expulsar estrangeiros, etc, assim com teve e vai ter oportunista do outro lado dizendo que o mais importante de tudo agora é combater os oportunistas do primeiro tipo.

Tem muita gente por aí escrevendo sobre o racismo e a xenofobia aqui nas terras da rainha, que os dois cresceram, que o resultado do referendo é prova disso, e que o racismo e a xenofobia estão tomando conta da ilha. Daqui do meu lado eu não vejo isso. É óbvio que existem xenófobos e racistas por aqui, como existem em qualquer outro lugar. Mas não acho que sejam mais numerosos aqui do que em países onde a popularidade da União Européia é bem maior, acho até o contrário. E também não acho que racismo ou xenofobia foram as razões principais do resultado ter sido a favor do fim da união.

O que eu acho é o seguinte. Tem uma parte considerável da população que tá sendo deixada pra trás, ou até marginalizada. Gente com pouca educação, em áreas que contribuem menos pra economia e que nunca se recuperaram do declínio social/cultural/econômico. Esses “improdutivos” têm sido muito estigmatizados e pressionados. Se eu fosse um deles, acho que eu teria votada em qualquer coisa pra “bagunçar o coreto.” Se você olha os mapas e gráficos da votação no referendo, a indicação é forte. Nas cidades grandes (Londres, Leeds, Manchester, Liverpool, Bristol, etc) o “fica” ganhou, nas cidades pequenas e nas partes “decadentes” foi o “sai”. Fora pouquíssimas exceções (Birmingham, Escócia), o contraste é muito grande. E as exceções se explicam facilmente. Na Escócia, por exemplo, as estruturas de suporte a comunidades e pessoas não vem sendo desmanteladas como aqui na Inglaterra ou em Gales, onde o que reina não é a Elizabeth, mas sim a “produtividade”, a “competitividade”, e coisas do gênero.

Ontem eu tava lendo no jornal um artigo sobre Ebbw Vale, uma cidade pequena em Gales onde (diz o artigo) a população de imigrantes é desprezível e os poucos que estão lá não encontram problemas diferentes do resto da população. Essa cidade, que não cresceu com uma produção de aço que não existe mais, é um dos lugares que mais recebeu investimento da UE nos últimos anos. Resultado do referendo? Uns 62% pelo “sai”. Minha opinião: a população de lugares como esse quer respeito, quer sentir orgulho de quem são e do que fazem, mas o que recebem é “investimento” cercado de recriminação e condições: precisam fazer isso, se tornar aquilo, esquecer quem são, abraçar uma outra vida. Você querer fazer isso é uma coisa, mas é muito diferente você ter outras pessoas e até instituições, todos distantes, dizendo que isso é o que você *tem* que fazer.

E voltando aos oportunistas… esses são os que aparecem também de longe pra dizer “olha aqui em quem você pode jogar a culpa desse mal-estar”, ou pra dizer “eles estão reclamando porque são vítimas dessa coisa que eu acho que deve acabar”. O “culpado” da hora é a União Européia, mas daqui a uns anos vai ser outra coisa. Dependendo do trabalho dos oportunistas, pode ser o liberalismo econômico, o “excesso de socialismo”, ou outra coisa.

Email compridão, hein?

Um abração,”

Marcelo “Caipirinha”

University of Leeds