o balaustre lilás…

Governador Valladares, pense, mas pense forte, pense fundo. Ano: 1970. Eu tinha acabado de beber meio litro de fogo paulista numa birosca na Praça Mauá e, desiludido como um pica-pau na chuva, decidi perambular pelas calçadas, becos, artérias e vielas. Foi quando, embebido pelo álcool, mas consciente de minhas obrigações imorais e não cívicas, vi aquela magrinha boa pra cará dando pra um marinheiro no muro da lendária pensão Pinguim onde, diz a lenda, Einstein se inspirou numa mosca varejeira para fechar a sua teoria da afetividade ou coisa parecida. A magrinha, branquinha e maconheira dava bem pro marinheiro mas, ao mesmo tempo, fumava um morrão fumegante gigantesco, o maior que vi em minha vida. Bebendo água, café e pílulas do Doutor Caramujo para combater o porre, vi a branquinha estapear o marinheiro e, semi nua, caminhar em direção a avenida Rio Branco, imediações da Casa Piano. Fui atrás, Gov. my Gov. Apesar da ditadura que prendia até quem usasse espiral Durma Bem para matar mosquitos, Joan (o nome dela) acendia outro morrão como se estivesse numa praia deserta. Foi nesse momento, quando ela terminava de apertar um bagulhão enfiado num cilindro de papel higiênico, que cheguei perto e, ainda meio bêbado, disparei: “Danadinha você, hein”. Achava que Joan (FOTO) era a empregada de uma pensão que ficava no Largo Da Segunda-Feira onde eu morei um dia (Tijuca, UK) e passava os dias rebolando e tirando a calcinha (estalando) do meio da bela bunda só para nos provocar. Quando terminei de falar “Danadinha”, a branquinha me deu um soco no queixo. Gostei, Gov. my Gov. Gostei daquilo. Mais: ela vociferou frases e palavras numa língua estranha que um anão, vendedor de bilhetes de loteria, me disse que era inglês. Na base dos sinais, o que fiz? 1 – revelei que havia me apaixonado por ela; 2 – Que adoraria ser seu acompanhante no Rio; 3 – Ia levá-la para conhecer a guerrilha do Araguaia, o Woodstock brasileiro. Mas quando ia fazer a quarta revelação com a linguagem de sinais uma louca e repentina vontade de urinar me fez botar o balaustre pra fora. Foi quando a voz carrancuda, trôpega, e cascuda daquela mulher deu lugar a uma seda. Ela disse “Joaannnnnn (com vibrato) is my nameeeeee”, e segurou no meu balaustre com tanta força que ele ficou lilás. Gov. my Gov., como amei aquela mulher que carinhosamente me chamava de “my jegue”. Juntos, loucos de paixão, fomos pra estrada e, de carona em carona, de caminhão em caminhão, chegamos a Xambioá, região onde a guerrilha era intensa. Dando e comendo, Joan e eu fumamos até morcego no meio daquele Woodstock de sangue suor e lágrimas. Lembro como se fosse amanhã de um guerrilheiro faminto e rastejando vir pedir a guimba do cigarro que Joan fumava para comer. O infeliz parecia uma iguana desnutrida. Loucos de tanta erva, ouvíamos o relinchar das balas como se fossem solos de guitarra naquela canção do Roberto. Governador Valladares foram os 15 dias mais intensos e tensos que vivi. Eu, Joan e Serguei, que apareceu na selva procurando o festival de Guarapari, que na verdade aconteceu um ano depois, em 1971. No mesmo dia, Serguei me ofendeu, apanhou e eu o expulsei da guerrilha. Dias depois, lá estava eu com minhas calças vermelhas, meu casaco de general, embarcando Joan para os Estados Unidos. Ela, mais arrombada do que o túnel Rebouças (em obras) disse “I never vou te esquecer”. Falou olhando para a minha jeba que me sorriu latindo. O pior de tudo, Gov. my Gov. é que fui preso, exilado, banido e Joan acha que a abandonei. Terei uma segunda chance? Ou terei que ir pra Saquarema me consolar com Serguei? Ummagumma Ferrare – Rua do Matoso, Praça da Bandeira, RJ, UK.