rogério daflon…

Crônica de segunda

A pauta atropelou o repórter urbanista

por Joaquim Ferreira dos Santos

O repórter Rogério Daflon, formado em urbanismo, escreveria com mais propriedade sobre a violência da cidade, mas na semana passada, aos 55 anos, ele foi atropelado por essa violência urbana carioca e não pode mais contar o que está na cara – ficou difícil andar por aqui.

Rogério foi atropelado por uma motocicleta enlouquecida na Rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras, e tenho certeza que como repórter ele não desprezaria o fato de ter sido jogado ao chão em frente ao palácio Guanabara. É o bunker sombrio de onde reina um falso machão com faixa de louco ao peito e fuzil de mira telescópica procurando um alvo qualquer. Daflon sabia das coisas. Nada é pura coincidência.

Como urbanista interessado na poesia de tornar a cidade mais amável, de fazer com que o progresso seja bem-vindo e dialogue com a tradição, Rogério Daflon percebia em seus textos que o caos está indo longe demais. Nunca foi tão fácil morrer à toa. Há uma evidente autorização do governador de nome esquisito, que assistiu do palácio a morte de Daflon sem uma nota de pesar, para que a ignorância e a perda das referências culturais se alastrem como uma hera maldita. Semana passada, no mesmo dia da morte de Daflon, WW desligou 25 inibidores de velocidade.

O Rio de Janeiro já teve Garotinho, Benedita, Rosinha, administradores sem noção de seus afazeres. Dessa vez a violência da bandidagem tradicional junta-se a uma geração de políticos interessados em matar a cidade que eles não compreendem e, por isso mesmo, odeiam. Há o que tenta acabar com o carnaval, o outro que persegue culto afro-religioso e o outro ainda que, diante da impressionante multidão de mendigos jogados nas calçadas, orgulha-se de que não passam fome, não são esqueléticos como os de outros países. Euclides da Cunha dizia ser o nordestino antes de tudo um forte. Agora, o forte é o mendigo.

O repórter urbanista, especializado na apuração de assuntos da cidade, morreu atropelado pela pauta do trânsito descontrolado, uma avenida sem lei onde os guardas responsáveis estão entretidos no celular e vale aos motoristas a velocidade que eles estabelecerem como válida, todos autorizados pelo senso comum dos desatinos a não pararem no sinal vermelho porque, no Rio, todos sabem, esse troço de sinal vermelho é mais um truque baixo da bandidagem para assaltar quem obedece – e carioca ixperto não cai nessa.

Há vilões urbanos se revezando por todos os lados, crateras monumentais nas calçadas, lixo caindo das caçambas, uma tensão constante, o horror, o horror. As reportagens de Daflon miravam tais vilanias urbanas. No verão foi a patinete na calçada. Agora chegou a vez dos entregadores de iFood e suas bicicletas kamikazes tornarem o horário de almoço um novo espetáculo de insanidade. Não dá mais para andar distraído, esse requisito fundamental que uma cidade civilizada precisa oferecer a seus moradores. E foi assim, em meio ao estresse das ruas, que a fúria do trânsito atropelou sem prestar socorro o repórter urbanista cujo traço mais evidente de perfil era a leveza e os bons modos.

Rogério Daflon passou a vida cumprindo pautas. Buscava respostas para o drama urbano carioca. Foi mais uma vítima dele.

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