segue a barbárie…

16/04/2012 – 11h59

Médico que tratou Zezé diz que Dylan sofre de “fadiga” na voz e precisa reaprender a cantar

André Piunti e Diego Assis
Do UOL, em São Paulo
  • Cantor e compositor Bob Dylan durante show no festival London Feis no no Reino Unido (19/06/2011)Tão antigo quanto suas canções de protesto, o debate em torno da voz de Bob Dylan o acompanha desde seus primeiros passos na música, nos anos 60. Tentativas –não necessariamente mal-intencionadas– de classificar seu canto rascante e anasalado ao longo das décadas incluem pérolas do tipo “é como se uma lixa soubesse cantar” ou “é uma voz que soa como areia e cola”.

Perto de completar 71 anos, em maio, o cantor e compositor norte-americano que está em  turnê pelo Brasil nesta semana continua desafiando –e incomodando– público e crítica, especialmente quando se apresenta ao vivo.

“Ele deveria ter avisado o público para trazer protetores de ouvido. Dylan nunca foi exatamente um cantor convencional, mas hoje em dia os sons ásperos e quebrados que ele emite dificilmente podem ser considerados como canto”, decretou um crítico do jornal “The Guardian” após um show do músico em Londres, em 2010.  Na apresentação deste domingo (15), no Rio, sua voz foi descrita pelo UOL como “fanhosa como sempre” e “mais rouca do que nunca”.

Como o Dylan produzia o timbre na garganta e, com a idade, os músculos vão perdendo a força, ele vai precisar forçar cada vez mais os músculos da garganta para alcançar aquele timbre de antigamente

Luiz Cantoni, médico otorrinolaringologista

Mais que uma “questão de estilo”, pode haver explicações médicas para que faixas como “All Along the Watchtower”, por exemplo, pareçam soar, por vezes, irreconhecíveis para quem vai ao show.

“Não tem como dizer se há algum problema nas cordas vocais sem um exame, mas o que pode ser notado no Bob Dylan é uma fadiga comum a quem canta sem técnica”, afirma ao UOL Luiz Cantoni, médico otorrinolaringologista que cuida das vozes de nomes como Zezé Di Camargo, Frejat e Galvão Bueno.

“Para entender, a gente pode comparar [a voz de Dylan] com um exemplo de técnica, que é o Paul McCartney. Você não nota no Paul essa fadiga, mesmo com a idade, pois ele utiliza técnica para cantar, e não a garganta. Como o Dylan produzia o timbre na garganta e, com a idade, os músculos vão perdendo a força, ele vai precisar forçar cada vez mais os músculos da garganta para alcançar aquele timbre de antigamente”, explica o médico.

De acordo com Cantoni, a melhor maneira de Dylan voltar a ter “aquela voz que todo mundo conhece” seria reaprendendo a cantar, em um intensivão de pelo menos três meses. “Ele teria de ir atrás de técnicas, que são capazes de dar aquela voz para ele”, defende o médico, que, quando não está atendendo pacientes, também se aventura diante do microfone. Segundo ele, a técnica correta para cantar sem danificar as cordas vocais consiste em utilizar o diafragma, em vez da garganta, para emitir o som.

“Em uma aula, a pessoa já percebe que ali há algo diferente, a reação é imediata. Mas, para aprender e pôr em prática, como em qualquer comportamento humano, é necessário que o ensinamento seja repetido por três meses para entrar no automático”, garante.

Pacientes famosos


Três anos depois ele voltou a me procurar em uma situação que é triste você ver um artista. Digo que aquele cara que entrou no consultório nem era o Zezé Di Camargo. Ele se disse desacreditado, que se sentia mais um ator do que um cantor, e assumiu que precisava de ajuda

Luiz Cantoni, médico otorrinolaringologista

Mas nem sempre aulas de canto e correção postural dão resultado sozinhas. Para fazer Frejat voltar a cantar “Bete Balanço” até o fim –“uma música que não exige muito”–, Cantoni teve de operar o cantor em 2004. “Ele veio como um grande desafio. Eu precisava colocá-lo no palco em um mês para o relançamento do Barão Vermelho”, lembra. “O Frejat foi muito humilde e sincero em assumir que tinha chegado ao limite e que precisava fazer alguma coisa. A gente não tinha unanimidade nem dentro da Warner, cheguei a ser questionado, mas a cirurgia correu bem, ele voltou a cantar, lançou o Barão e meu nome começou a circular entre os artistas de mais nome”.

Entre esses nomes estava o de Zezé Di Camargo, que para voltar a acertar os agudos de dez anos atrás no tradicional refrão “É o amoooooooor…” também teve de se submeter a cirurgia.

“Quando eu conheci o Zezé, o problema dele ainda estava no começo. Como ele tinha medo de operar, preferiu fazer aula de canto, mas o caso dele era cirúrgico, aula não ia resolver. Três anos depois ele voltou a me procurar em uma situação que é triste você ver um artista. Digo que aquele cara que entrou no consultório nem era o Zezé Di Camargo. Ele se disse desacreditado, que se sentia mais um ator do que um cantor, e assumiu que precisava de ajuda”, lembra o médico.

O motivo da “voz rachada” do sertanejo era o rompimento de um cisto em uma das cordas vocais, que teve de ser tratada e refeita.

“Em três dias ele já estava falando como não falava havia anos”, afirma. “Com a corda vocal sem o cisto, Zezé precisaria reaprender a utilizar a corda vocal. Mas se ele está feliz e curado, eu tenho que respeitar a vontade dele. Sou amigo e médico do Zezé e, sempre que posso, falo pra ele mudar um movimento, tentar algo novo, mas não tenho direito a forçá-lo a fazer uma terapia”.


Como a agenda profissional dele é muito cheia, ele ainda tem receio de mexer diretamente nas cordas vocais. Para quem vive da voz, o medo é algo a ser trabalhado com mais cuidado

Luiz Cantoni, médico otorrinolaringologista

Com o caso de Zezé resolvido, o médico afirma estar atento a outro paciente famoso: o locutor da Globo Galvão Bueno. “Como telespectador, eu acompanhei aquele Brasil e Holanda em que ele ficou com um pigarro incomodando, na Copa de 2010. Uns 20 dias depois do jogo ele me procurou, indicado pelo Zezé. Ele chegou muito para baixo também, falando em encerrar a carreira, com medo de ter que fazer cirurgia”, revela o especialista, que diagnosticou a presença de fungo nas cordas vocais de Galvão. “Para o alívio dele, o tratamento era clínico, não necessitava de cirurgia. Mediquei o Galvão e a voz voltou”.

Dois anos depois, quando assistia ao GP da Austrália, Cantoni afirma ter percebido que o problema voltara. “O fungo é algo que não tem cura, ele vai surgir sempre que a pessoa estiver com baixa resistência”, explica. “Isso pode ser resolvido com a infiltração de soro. É algo rápido, precisa apenas de um dia livre para o procedimento, mas como a agenda profissional dele é muito cheia, ele ainda tem receio de mexer diretamente nas cordas vocais. Para quem vive da voz, o medo é algo a ser trabalhado com mais cuidado”, conclui.